Astronautas votam do Espaço em eleição presidencial dos EUA, mesmo presos na Estação Espacial

por Pietro Monteiro

Astronautas votam do Espaço em eleição presidencial dos EUA, mesmo presos na Estação Espacial

Na manhã de 5 de novembro de 2024, enquanto os americanos faziam fila nas urnas em Houston, Nova York e Phoenix, quatro astronautas da NASA — presos a 420 quilômetros da Terra — apertavam um botão em uma tela criptografada e enviavam seu voto para casa. Entre eles estavam Barry E. 'Butch' Wilmore, comandante da missão Starliner, e Sunita L. 'Suni' Williams, piloto, que haviam sido forçados a permanecer na Estação Espacial Internacional por mais de cinco meses por falhas técnicas no módulo da Boeing. O voto, transmitido por satélites da própria NASA, foi mais do que um ato simbólico: foi uma prova de que a democracia não tem fronteiras — nem mesmo a da atmosfera.

Como um voto chega do espaço?

O processo é tão preciso quanto um lançamento de foguete. Antes de decolar, cada astronauta preenche um formulário federal (SF-76), como os militares no exterior. A partir daí, o escritório do condado onde estão registrados — na maioria das vezes, Harris County, no Texas, por causa da proximidade com o Centro Espacial Johnson — envia uma cédula eletrônica criptografada. Ela viaja por redes de satélites da NASA até a ISS, onde os astronautas acessam o voto com credenciais únicas. Ao finalizar, o voto é enviado de volta pela Sistema de Rastreamento e Relé de Dados (TDRSS), pousa no White Sands Test Facility, em Novo México, e é redirecionado para Houston. Em menos de 48 horas, o voto chega ao escritório eleitoral local. Tudo criptografado. Tudo auditável. Tudo legal.

Por que o Texas é o centro desse sistema?

A história começa em 1996, quando o astronauta John Blaha, na estação Mir, pediu para votar — e foi bloqueado. A lei do Texas não permitia votação eletrônica. A resposta foi rápida: o deputado Mike Jackson, cujo distrito incluía o Centro Espacial, apresentou um projeto. Em 1997, o governador George W. Bush o sancionou. O primeiro voto espacial foi dado por David A. Wolf, que escolheu seu voto na eleição municipal de Houston enquanto orbitava a Terra. Desde então, 14 astronautas já votaram no espaço — em 10 eleições. Em 2004, Leroy Chiao tornou-se o primeiro a votar em uma eleição presidencial do espaço. Em 2016 e 2020, Kathleen Rubins fez isso duas vezes. E em 2019, Andrew R. Morgan, morador da Pensilvânia, votou em uma eleição local sem passar pelo Texas. A regra é simples: onde você é registrado, é para onde seu voto vai.

Os astronautas que ficaram presos no espaço

Wilmore e Williams não estavam programados para estar lá em novembro. Sua missão Starliner, originalmente de oito dias, virou uma estadia de 153 dias após problemas no sistema de propulsão. Ainda assim, eles não perderam o voto. Wilmore, 61 anos, ex-piloto da Marinha com 7 mil horas de voo, e Williams, 58, também da Marinha, mantiveram a rotina. Dormiram, treinaram, fizeram experimentos — e votaram. O voto de Donald R. Pettit, especialista da missão Expedition 71, foi registrado em Oregon. A NASA confirmou que todos os quatro astronautas completaram o processo. "Eles estão longe de casa, mas nossas redes os conectam à democracia", disse a agência em nota. É um detalhe que muitos esquecem: astronautas são cidadãos antes de serem heróis.

Por que isso importa — além do simbolismo?

Por que isso importa — além do simbolismo?

Isso não é só um gesto bonito. É um teste de infraestrutura. Se o voto pode ser transmitido de uma estação que gira a 28 mil km/h, a 420 km de altitude, com latência de segundos e risco de falha de comunicação, então o sistema pode suportar até mesmo cenários caóticos na Terra. Ele é mais seguro que muitos sistemas eleitorais terrestres — e mais auditável. A transmissão é criptografada em múltiplos níveis, rastreada em tempo real, e só é validada após confirmação manual no solo. Nenhum voto é armazenado na ISS. Nenhum é acessado por terceiros. E a cada eleição, a taxa de participação entre astronautas é de 100%. Ninguém deixa passar.

O que vem a seguir?

A NASA já está preparando a próxima geração. Com a missão Artemis e possíveis bases na Lua, a pergunta não é mais "como votar do espaço?", mas "como votar da Lua?". A tecnologia atual é baseada em satélites em órbita terrestre. Para a Lua, será necessário um novo sistema de comunicação — talvez com redes de satélites em órbita lunar ou até links com a Estação Espacial Lunar. Mas o princípio será o mesmo: o direito ao voto não se apaga com a gravidade. E o sistema de Houston, criado para resolver um problema burocrático em 1997, virou um modelo global. A União Europeia e o Canadá já observam o processo com interesse. Talvez, em breve, um astronauta europeu vote da ISS usando o mesmo protocolo.

Os detalhes que ninguém fala

Os detalhes que ninguém fala

O voto foi enviado às 8:25 UTC do dia 5 de novembro, enquanto a ISS passava sobre o Texas. A equipe de comunicação da NASA trabalhou em turnos para garantir que a janela de transmissão não fosse perdida. Nenhum erro foi permitido. E, curiosamente, os astronautas não sabiam qual era o resultado da eleição quando votaram. A informação chegaria a eles apenas após a conclusão da votação — como qualquer cidadão em uma zona rural. Eles votaram sem saber quem venceu. Porque, na verdade, não importa quem vence. O que importa é que eles puderam escolher.

Perguntas Frequentes

Como os astronautas garantem que seu voto foi contado?

Após o envio, os escritórios eleitorais locais recebem confirmação de recebimento e validação criptográfica da NASA. O voto é registrado como se tivesse sido entregue por correio tradicional, com o mesmo peso legal. O processo é auditável por autoridades eleitorais e pela própria NASA, que mantém registros de todos os trânsitos. Nenhum voto é armazenado no espaço — tudo é deletado após a confirmação.

Por que não usam o voto eletrônico direto, como em alguns estados dos EUA?

A NASA evita sistemas eletrônicos abertos por risco de hacking. O sistema atual usa criptografia de nível militar, transmissão via satélites dedicados da agência e confirmação manual em solo. É mais lento, mas mais seguro. Estados como a Califórnia permitem voto online para cidadãos, mas não para astronautas — por causa da complexidade da identidade e da jurisdição. O modelo da NASA é o único que combina segurança, legalidade e alcance espacial.

Todos os astronautas americanos votam pelo Texas?

Não. Embora muitos registrem residência em Harris County por proximidade com o Centro Espacial Johnson, o voto é baseado no último endereço oficial de residência. Andrew Morgan votou da Pensilvânia em 2019. Donald Pettit votou pelo Oregon. A lei federal permite isso. O que importa é o registro eleitoral, não o local da missão. A NASA apenas facilita a logística, não decide onde você vota.

E se um astronauta não quiser votar?

O voto é opcional. Mas desde 2004, todos os astronautas que estavam na ISS durante eleições presidenciais votaram — exceto em 2012, quando nenhum americano estava no espaço. Não é obrigação legal, mas é uma tradição respeitada. A NASA oferece suporte, mas não pressiona. Ainda assim, nenhum astronauta recusou. Para muitos, é um dos momentos mais significativos da missão — um lembrete de por que estão lá.

O sistema pode ser usado por civis em missões espaciais privadas?

Atualmente, não. O sistema foi criado para funcionários federais da NASA e da Força Aérea. Cidadãos em missões da SpaceX ou Blue Origin não têm acesso direto. Mas há pressão para expandir. Em 2025, o Congresso americano discutirá propostas para incluir turistas espaciais e pesquisadores privados no sistema. O desafio é jurídico: como definir a jurisdição eleitoral de alguém que vive em órbita?

Houve alguma tentativa de fraude no sistema?

Nenhuma foi confirmada. O sistema foi auditado por especialistas em segurança cibernética da NSA e do Departamento de Segurança Interna. Os dados são transmitidos em canais dedicados, sem conexão com a internet pública. Cada voto é assinado digitalmente por dois sistemas independentes. Mesmo que alguém interceptasse o sinal, não conseguiria alterá-lo sem quebrar a criptografia de 256 bits — algo que levaria séculos com a tecnologia atual.

Pietro Monteiro

Pietro Monteiro

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Sou um jornalista especializado em notícias e adoro escrever sobre os acontecimentos diários no Brasil. Minha paixão é informar e manter o público atualizado com os eventos mais recentes.