por Pietro Monteiro
Reta mais longa do calendário, curvas de 90 graus, freada pesada e um trecho medieval onde o carro mal cabe. O GP do Azerbaijão é o tipo de etapa que revela forças e fraquezas sem dó. Você erra um pouco no acerto? Paga na reta. Carrega asa demais? Fica um alvo fácil. Aposta em pouco downforce? Sofre no miolo. É um circuito que exige compromisso: achar o meio-termo perfeito entre velocidade final e tração em baixa.
Chegamos com a McLaren liderando o campeonato de construtores (337 pontos após ampliar a vantagem na Itália) e com uma pergunta martelando o paddock: a Red Bull reencontrou o ritmo dominante ou ainda tropeça em pistas de rua que pedem estabilidade sobre ondulações e agressividade nas zebras? Baku tende a dar essa resposta, porque combina tudo o que estressa um carro: frenagens longas, retomadas fortes, vento lateral traiçoeiro e temperatura de pneus que vai e volta a cada setor.
Em termos de estratégia, a corrida costuma ser “barata” de pneus — desgaste relativamente baixo — mas “cara” em risco: safety car não é exceção por aqui. Isso muda o xadrez. Um único incidente pode transformar uma prova processional em caos calculado, com janelas de pit stop reinventadas, undercut que vira overcut e vice-versa. Equipe que lê bem as neutralizações, sobe.
No acerto, as escolhas ficam delicadas. Um pacote de baixa asa ajuda na reta interminável, mas cobra preço na seção do castelo e nas curvas 8 a 12, onde a traseira precisa estar colada no chão. Equipes normalmente testam dois caminhos na sexta-feira: um carro com asa mais limpa e outro com mais carga, comparando velocidade de ponta, estabilidade nas zebras e consumo de freios. Baku castiga pinças e discos; gerenciamento térmico é tão decisivo quanto o pace puro.
Em classificação, o jogo do vácuo costuma mandar no Q3. Quem cronometra a volta pegando a carona certa na reta ganha decimos de graça. Só que dá para errar a mão: andar muito perto suja o ar no miolo e piora a guiada, além do risco de tráfego. Não à toa, os engenheiros quase coreografam a fila nos minutos finais, com rádios gritando “abre espaço” e “empurra agora”.
O que seria um “ressurgimento” real da Red Bull aqui? Mais do que pole, a medida é eficiência total: capacidade de contornar o setor travado sem perder demais na reta, boa tração nas saídas de 1, 2 e 16, e um DRS eficiente o bastante para converter ataque em ultrapassagem. Nos últimos tempos, quando a equipe teve qualquer desconforto, ele apareceu em pistas de rua irregulares e de baixa aderência. Se o carro suportar bem as ondulações e aceitar um rake mais agressivo sem pular, é sinal de que o pacote evolutivo está no caminho.
Outro ponto: o acerto mecânico. Baku exige um carro que “morda” o asfalto na frenagem, com dianteira obediente e traseira que não solte na saída lenta. Isso depende de geometria de suspensão, mapeamento do diferencial e controle fino do torque. Se a Red Bull conseguir alinhar essas três coisas e ainda manter boa velocidade de reta com ala mínima, a narrativa do “calvário em ruas” perde força.
Do lado da McLaren, a vantagem no campeonato não cai do céu. O carro vem entregando consistência em várias janelas de pista, com frente firme em média e alta. Só que Baku pede uma concessão: reduzir arrasto sem matar a aderência em baixa. É por isso que um pacote de asa traseira mais recortada e ajustes de beam wing costumam aparecer por aqui. Se a equipe cravar o equilíbrio e evitar perdas nas retomadas, mantém o ritmo de prova e minimiza a vulnerabilidade na reta.
Há uma “novela” paralela que pesa: gestão de corrida e decisões no calor do momento. Ordens de equipe, hora certa de parar no box durante safety car e leitura da temperatura dos pneus nos primeiros metros pós-reinício. A McLaren ganhou pontos importantes recente por fazer o básico muito bem: pit stops limpos, chamadas de estratégia oportunas e comunicação precisa no rádio. Baku, com seu caos ocasional, premia quem mantém a cabeça fria.
Ferrari e Mercedes entram como variáveis que podem bagunçar a primeira fila. A Ferrari tem histórico de volta rápida forte por aqui, porque casa bem com curvas de 90 graus e tração curta. Em ritmo de corrida, a chave é não sobreaquecer o pneu traseiro na saída da curva 16 antes da reta gigante. Se controlar isso, vira ameaça real. Já a Mercedes costuma crescer quando a pista emborracha e o vento acalma, mas precisa que o pacote aerodinâmico não gere arrasto demais. Se o carro ficar “quadrado” na reta, complica a vida.
Falando em pneus, Baku geralmente recebe a faixa intermediária da Pirelli (um trio do tipo C2/C3/C4). O aquecimento da borracha não é trivial no início da volta, e a janela ideal aparece no fim do segundo setor. Isso explica por que volta lançada com aquecimento agressivo, mais uma volta de preparação, às vezes compensa. Em corrida, o graining pode dar as caras se o piloto for guloso demais no primeiro stint. Vale olho no asfalto: quando a temperatura cai com o fim de tarde, a vida do composto muda.
Também dá para esperar um jogo mental forte no vácuo. Alguns times combinam que um piloto puxa no Q1 e Q2, e o outro recebe a “carona premium” no Q3. Nem sempre funciona, porque o tráfego vira loteria. Mas, se alguém colocar tudo junto — aquecimento perfeito, vácuo bem cronometrado e setor do castelo limpo — a diferença salta no cronômetro.
Quer um mapa rápido do que observar no fim de semana?
Nas garagens, a atualização que realmente vale é aquela que reduz arrasto “barato” — pequenos ganhos em asa traseira e ajustes no assoalho que não detonam a carga nas curvas lentas. O assoalho, aliás, manda no carro moderno: selagem de fluxo, controle do ar sujo e estabilidade nas mudanças de altura. Pista de rua costuma embaralhar isso com lombadas e ondulações. Se um time apresentar menos oscilação de altura do que o normal no onboard, é sinal de que o pacote está eficiente.
Clima e vento? Baku é imprevisível. Rajada lateral muda o balanço entre asfalto e muro em milésimos. Piloto que lê o vento na freada longa da curva 1 ganha confiança para alongar o ponto de frenagem. E não subestime a evolução de pista: a cada sessão, a aderência sobe bem. Treino 1 enganoso já estragou fim de semana de muita gente.
Em termos de narrativa do campeonato, a equação é simples: uma Red Bull sólida em Baku recoloca pressão direta na McLaren e interrompe a sequência de resultados que cimentou a liderança dos laranjas. Se a McLaren confirmar a forma e navegar bem pelo caos estratégico, abre espaço para controlar a tabela e administrar a vantagem de 337 pontos entre construtores com mais folga. Ferrari e Mercedes podem ser fiéis da balança, roubando pontos-chave — principalmente se dividirem a primeira fila ou acertarem uma parada gratuita com safety car.
No fim, Baku costuma premiar quem aceita a pista como ela é: desconfortável. Carro que aceita zebra alta, chacoalha menos em ondulação e freia alinhado, vence mais do que o mais rápido em volta limpa. A pergunta que vale o domingo: quem vai se sentir confortável no desconforto?