Entre 1 e 7 de outubro de 2025, um objeto misterioso atravessou o sistema solar e passou a apenas 30 milhões de quilômetros de Marte — não era um asteroide, nem um cometa nascido aqui. Era 3I/ATLAS, o cometa interestelar mais antigo já observado, com idade estimada de 7,6 bilhões de anos, quase duas vezes mais velho que o próprio Sistema Solar. As imagens capturadas pelos instrumentos da Agência Espacial Europeia — o ExoMars Trace Gas Orbiter e o Mars Express — revelaram algo inesperado: enquanto se aquecia sob a luz do Sol, o cometa mudou de cor. De vermelho, tornou-se verde. E isso pode estar dizendo algo fundamental sobre o universo primordial.
Um presente de Natal cósmico
A descoberta de 3I/ATLAS ocorreu em 1º de julho de 2025, quando o telescópio ATLAS, em Río Hurtado, Chile, registrou seu brilho tênue contra o fundo estelar. Mas foi em outubro, quando o cometa passou próximo a Marte, que a ciência realmente acordou. Os satélites europeus, projetados para fotografar a superfície marciana, viraram suas câmeras para o céu — e conseguiram, mesmo com exposições curtas e o objeto distante. O ExoMars Trace Gas Orbiter usou sua câmera CaSSIS com exposições de cinco segundos; o Mars Express, com apenas 0,5 segundo, precisou somar dezenas de imagens para tornar o cometa visível. Foi um feito técnico quase milagroso.Enquanto isso, a NASA observava de longe com o Mars Reconnaissance Orbiter, e o Telescópio Espacial Hubble — sob a direção de David Jewitt, da Universidade da Califórnia em Los Angeles — capturou o cometa a 286 milhões de quilômetros da Terra em 30 de novembro. O que eles viram foi ainda mais surpreendente: a coma do cometa, antes avermelhada, agora brilhava em um verde intenso. Um sinal claro de que novas moléculas estavam sendo liberadas. E não eram apenas gelo. Era algo mais complexo, algo que não se vê em cometas do nosso sistema solar.
Por que o cometa ficou verde?
A mudança de cor é o grande enigma. O verde sugere a presença de diacetileno ou carboneto de silício — compostos raros, quase desconhecidos em cometas locais. A equipe do Gemini North, no Havaí, confirmou a mudança em 26 de novembro, após observações com o telescópio mais potente do hemisfério norte. O que antes parecia um objeto escuro e frio, agora emitia uma névoa esverdeada, como se estivesse respirando químicos de outro tempo. "É como se tivéssemos encontrado um fóssil químico do primeiro bilhão de anos da Via Láctea", disse um astrônomo da NOIRLab, que opera o Gemini. "Isso não é um cometa. É uma cápsula do tempo."Ainda mais intrigante: uma pequena asteroide do cinturão principal, quase invisível, apareceu na mesma imagem do Gemini — um "photobomber" cósmico, como chamaram os cientistas. Um lembrete de que, mesmo em meio a objetos tão raros, o universo ainda nos surpreende com detalhes cotidianos.
Um cometa mais velho que o nosso sistema
A idade estimada de 3I/ATLAS — 7,6 bilhões de anos — é o que mais choca os cientistas. O Sistema Solar tem 4,6 bilhões. Isso significa que o cometa se formou antes mesmo que o Sol existisse. Talvez tenha nascido em uma nuvem de gás e poeira ao redor de uma estrela que já explodiu, há bilhões de anos. Foi ejetado por uma colisão, viajou por eons, e agora, por pura coincidência cósmica, passou perto de nós. "É como encontrar um livro escrito em uma língua extinta, e descobrir que ele conta a história da própria linguagem", comparou um astroquímico do Instituto Max Planck.As observações continuam. Em dezembro, astrônomos amadores no Saara, no Egito, conseguiram fotografar o cometa com longas exposições, revelando uma cauda tênue, quase invisível a olho nu, mas brilhante em imagens compostas. Um deles, usando 60 exposições de 60 segundos, capturou o cometa pairando sobre dunas negras — um símbolo perfeito: um objeto de outro tempo, iluminando a terra mais antiga da Terra.
O que vem a seguir?
O cometa já passou pelo periélio e agora se afasta do Sol. Mas os telescópios não vão parar. O ExoMars Trace Gas Orbiter ainda coleta dados de sua atmosfera residual. O Hubble fará novas observações em fevereiro. E a Agência Espacial Europeia já está planejando uma análise em 3D da composição química, usando espectroscopia de alta resolução. O que se descobrir pode reescrever modelos de formação planetária. Se 3I/ATLAS é tão antigo e tão quimicamente diferente, talvez outros cometas interestelares — como o famoso 2I/Borisov — também sejam mais velhos e estranhos do que pensávamos.Um universo mais antigo do que imaginamos
A observação de 3I/ATLAS não é só uma curiosidade. É uma janela para o passado cósmico. Se este cometa sobreviveu por 7,6 bilhões de anos, então os materiais que ele carrega — carbono, silício, moléculas orgânicas — podem ter sido distribuídos por todo o universo antes mesmo da formação das primeiras galáxias. Isso implica que os ingredientes da vida podem ser mais comuns, e mais antigos, do que qualquer teoria atual sugere.Os cientistas ainda não sabem de onde exatamente ele veio. Mas uma coisa é certa: o universo não é apenas velho. É mais velho do que nós conseguimos imaginar.
Frequently Asked Questions
Por que o cometa 3I/ATLAS mudou de cor de vermelho para verde?
A mudança de cor indica a liberação de novas moléculas, como diacetileno ou carboneto de silício, que só se tornam visíveis quando o cometa é aquecido pelo Sol. Esses compostos são raros em cometas do Sistema Solar, sugerindo que 3I/ATLAS se formou em um ambiente químico muito diferente, possivelmente em uma estrela que já morreu há bilhões de anos.
Como foi possível observar um cometa tão distante e fraco com satélites de Marte?
O ExoMars TGO usou exposições de cinco segundos com sua câmera CaSSIS, normalmente usada para fotos da superfície marciana. Já o Mars Express somou dezenas de imagens de exposição curta (0,5s) para aumentar o sinal. É como juntar várias fotos escuras para criar uma imagem clara — um feito técnico inédito para observar objetos interestelares.
O cometa 3I/ATLAS é o primeiro cometa interestelar já observado?
Não. O 2I/Borisov foi o segundo cometa interestelar confirmado, em 2019. Mas 3I/ATLAS é o mais antigo já detectado, com idade estimada em 7,6 bilhões de anos — quase o dobro da idade do Sistema Solar. Sua composição química e trajetória também o tornam único entre os já observados.
O que os astrônomos amadores podem ver agora?
Em dezembro de 2025, o cometa já era visível em céus escuros com telescópios amadores e até com câmeras DSLR em longas exposições. Fotógrafos no Saara e no Chile conseguiram capturar sua cauda tênue e halo gasoso. Ele ainda estará visível até abril de 2026, mas ficará cada vez mais fraco à medida que se afasta do Sol.
Essa descoberta muda o que sabemos sobre a origem da vida?
Sim. Se moléculas orgânicas complexas sobreviveram por 7,6 bilhões de anos em um cometa interestelar, isso sugere que os ingredientes da vida podem ser comuns em todo o universo, mesmo em ambientes extremos. Isso reforça a hipótese de que a vida não precisa de condições "perfeitas" para surgir — apenas tempo e matéria.
O que acontecerá com o cometa agora?
Ele está se afastando do Sol e do Sistema Solar, e não voltará. Mas os telescópios continuarão observando até abril de 2026, enquanto ele ainda for visível. A análise dos dados coletados pode levar anos — e talvez gere novas missões para buscar outros cometas tão antigos quanto.